A inflação na zona euro parece que está controlada, em torno de 2%. Mas a economia europeia continua fraca e a precisa de estímulo (sobretudo a alemã). E há nuvens vindas dos EUA com a tomada de posse de Donald Trump que podem tocar nas taxas de câmbio. É neste contexto que o Banco Central Europeu (BCE) decidiu reduzir os juros com cautela, avançando um corte das suas taxas de juro diretoras de 25 pontos base na reunião desta quinta-feira, dia 12 de dezembro.
A descida dos juros do BCE de 25 pontos decidida na reunião de política monetária desta quinta-feira vai ao encontro das recentes expectativas dos analistas de mercado, que admitiam uma redução das taxas mais cautelosa. Isto porque, hoje, há vários fatores de incerteza que pairam sobre a Europa, desde as crises políticas em França e na Alemanha à tomada de posse de Donald Trump nos EUA, que promete encarecer as taxas alfandegárias a partir de 2025.
A certeza do “guardião do euro” é que é preciso continuar a descer os juros diretores para estimular a economia da zona euro (hoje, muito fragilizada), numa altura em que a inflação parece estar controlada em torno dos 2%. "O processo desinflacionista está bem encaminhado", diz o Conselho do BCE em comunicado. Foi por isso que avançou com o quarto corte das suas taxas de juro, deixando-as todas abaixo dos 3,5%:
“O BCE continua com a sua rota de normalização das taxas, apoiado pela fragilidade económica da Alemanha e da França e ainda pela inflação aparentemente controlada”, comenta Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/crédito habitação em Portugal, em reação à decisão tomada esta quinta-feira pelo regulador europeu.
Esta quarta descida das três taxas de juro pelo BCE foi apoiada, uma vez mais, em vários indicadores económicos, com especial destaque para a fragilidade da economia europeia que precisa de mais estímulo ao consumo e investimento:
Além destes dados económicos, a decisão do Conselho do BCE também se baseia nas perspetivas de inflação, da dinâmica da inflação subjacente e da força da transmissão da política monetária. No caso da inflação global, estima-se que se fixe em 2,4% em 2024, 2,1% em 2025, 1,9% em 2026 e 2,1% em 2027, ano em que passa a estar operacional o Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia alargado. Quanto à inflação subjacente projeta-se uma média de 2,9% em 2024, 2,3% em 2025 e 1,9% em 2026 e 2027.
"A maioria das medidas da inflação subjacente sugere que a inflação estabilizará, numa base sustentada, em torno do objetivo de médio prazo de 2% do Conselho do BCE"
Por outro lado, os especialistas do Eurosistema esperam agora uma recuperação económica mais lenta do que o avançado nas projeções de setembro. Portanto, agora estima-se que a economia registará um crescimento de 0,7% em 2024, 1,1% em 2025, 1,4% em 2026 e 1,3% em 2027. "A recuperação projetada assenta principalmente na subida dos rendimentos reais – que deverá permitir às famílias consumir mais – e no aumento do investimento das empresas. Com o tempo, o desvanecimento gradual dos efeitos da política monetária restritiva deverá apoiar a retoma da procura interna", explicam ainda no mesmo documento. A descida dos juros também já está a estimular a contratação de novos empréstimos, uma vez que estão menos "onerosos" para empresas e famílias, acrescentam.
Há, contudo, vários sinais de incerteza que levaram o BCE liderado por Christine Lagarde a optar por ser mais cauteloso e não avançar com um corte dos juros mais agressivo na reta final do ano (de 50 pontos base), como vários especialistas antes antecipavam.
A nível interno, o regulador europeu está preocupado com os aumentos salariais (de 5,42% no terceiro trimestre, o maior aumento em mais de 30 anos), bem como com a inflação interna que "desceu ligeiramente, mas permanece elevada, sobretudo porque os salários e os preços em determinados setores ainda estão a ajustar-se, com um desfasamento substancial, à anterior subida acentuada da inflação", explica ainda o Conselho do BCE do comunicado divulgado esta quinta-feira.
Além disso, há turbulência política a afetar as principais economias da zona euro. A Alemanha poderá enfrentar eleições antecipadas em fevereiro, após o colapso da coligação liderada pelo chanceler social-democrata, Olaf Scholz. Em França, o Governo liderado por Michel Barnier caiu na semana passada, quando foi aprovada no Parlamento uma moção de censura.
Também do lado externo há focos de incerteza que preocupam o BCE. O principal é o regresso de Donald Trump à presidência dos EUA em 2025, que ameaça subir as taxas alfandegárias. Só a sua vitória às eleições no início de novembro mexeu com as taxas de câmbio (o euro perdeu valor face ao dólar) e com as bolsas europeias, que caminharam em terreno negativo.
“As nuvens escuras no horizonte para os preços da energia no inverno, a força do dólar, as guerras e a futura política comercial dos EUA poderão provocar aumentos da inflação e uma consequente paragem desta tendência descendente das taxas do BCE”, antecipa Miguel Cabrita.
Mas também há um outro lado. “Mesmo que a Reserva Federal reduza as taxas menos do que o esperado, o BCE será forçado a continuar a cortar taxas para apoiar a economia da zona euro. Neste cenário, um euro mais fraco poderia até ser uma bênção, pois poderia compensar o impacto adverso das tarifas sobre as exportações da zona euro”, considera Carsten Brzeski, chefe de Macro do ING, citado pelo El País.
Perante o atual clima de incerteza económica e política, o BCE continua a assumir um discurso cauteloso não fazendo um plano concreto de cortes de juros ao longo do próximo ano. "O Conselho do BCE não se compromete previamente com uma trajetória de taxas específica", voltou a sublinhar em comunicado, indicando uma vez mais que as decisões são tomadas reunião em reunião e continuam dependentes dos dados económicos.
Mesmo assim vários especialistas de mercado admitem que o BCE vai continuar a descer os juros ao longo de 2025, a um ritmo de 25 pontos base em cada reunião, até que a taxa dos depósitos se situe em 2% no verão - ou até num patamar inferior (1,75%). Isto pode significar que o BCE pode reduzir os juros a maior ritmo que a Reserva Federal dos Estados Unidos, tendo consequências ao nível da valorização do euro face ao dólar.
“Os mercados preveem que as taxas de juro sejam reduzidas em 25 pontos de base em cada uma das próximas reuniões do BCE, pelo menos, até meados de 2025. Na ausência de mais notícias, é de esperar que as taxas evoluam lentamente para valores mais baixos, à medida que nos aproximamos da concretização destas previsões”, admitem os analistas da Ebury Portugal.
“Caso não surjam imprevistos como conflitos armados, guerras tarifárias, subida da inflação, as taxas deverão rondar os 1,75%-2% no final de 2025”, segundo prevê Julián Salcedo, presidente do espanhol Fórum dos Economistas Imobiliários. Na visão do economista, este é “um calendário correto”, porque “quedas maiores ou mais rápidas sobreaqueceriam a economia e fariam com que a inflação subisse, algo que seria indesejável.”
Desde a agência de ratings S&P, o economista-chefe Sylvain Broyer diz que agora projetam que “a taxa diretora principal [taxa de depósito] atinja 2,5% antes do verão de 2025 (maio, talvez)", disse citado pelo Dinheiro Vivo. Por outro lado, “o longo período de previsões macroeconómicas muito estáveis está a chegar ao fim, à medida que os novos líderes nos EUA, na União Europeia e na Alemanha possam tomar decisões no início do próximo ano sobre tarifas comerciais”, alerta.
"Tendo em conta o crescimento abaixo da tendência e a inflação globalmente dentro do objetivo, a nossa base de referência continua a ser a de que o Conselho do BCE reduzirá as taxas de juro em passos sequenciais de 25 pontos base até chegar a 1,75% em julho, o que fica ligeiramente abaixo do nosso intervalo de 2%-2,5% para a taxa de juro neutral", indicam os economistas Sven Stehn e Alexandre Stott do Goldman Sachs, citados pelo mesmo jornal.
O Conselho do BCE reúne-se aproximadamente de seis em seis semanas. Este é o calendário das próximas reuniões de política monetária do guardião do euro, nas quais vai anunciar as suas decisões sobre as taxas de juro diretoras: